Consultório

16.1.10

Alguns aspectos da relação médico-paciente...

Hipócrates, considerado o pai da medicina, viveu cerca de 300 anos antes de Cristo e pode-se dizer que foi o primeiro grande observador médico. Ao atender um paciente que sofria com a “doença da languidez” conseguiu o que outros colegas tentaram sem sucesso: a cura daquele paciente deprimido. Isso ocorreu em conseqüência de sua “escuta”, pela sua capacidade de observar o paciente naquilo que ele desejou contar. Tempos depois Freud, este inaugurador do espaço da fala, referindo-se ao ato sintomático no caso Dora, nos dirá que “aqueles cujos lábios calam denunciam-se com as pontas dos dedos; a denúncia lhes sai por todos os poros”. Isso valida a importância da escuta médica em relação ao paciente no sentido da observação utilizada na prática Hipocrática.

Por muito tempo associada à cura quase mágica, a medicina e mesmo o lugar do médico foi sofrendo modificações ao longo dos tempos. Em sociedades primitivas era o xamã que expulsando maus espíritos trazia o alívio aos doentes. A doença estava ligada ao castigo sofrido pelos pecadores e o cristianismo seguiu mantendo essa concepção estendida à tradição de segregação dos leprosos e depois dos loucos que eram considerados impuros. O médico tinha uma posição de poder primeiramente ligado ao espiritual e secundariamente às enfermidades propriamente.

No século XVIII se assinala uma nova prática e o médico então passa a visitar o doente e a observá-lo sistematicamente e de forma comparada. O médico ainda é apreendido na forma xamânica. Segundo Foucault (1992) no hospital encontrava-se loucos, doentes, devassos, prostitutas e a função médica de cura e inserção social não ocorria. Até que o processo de “medicalização” ocorresse, não havia médicos diariamente nos hospitais e somente os serviços religiosos eram oferecidos diariamente (em especial a confissão, obrigatória a todos que se internassem). O médico vai aos poucos tomando o lugar do leigo/religioso, pois é no hospital que o saber médico começará a tomar nova forma e em torno de 1770 o aprendizado passa a ter orientação dentro do hospital, ou seja, sua formação passa a acontecer dentro do hospital (até o século XV, quem a ensinava eram, em sua maioria, membros do clero, sendo a estes igualmente destinados o ensino).

Segundo Foucault (1992) o século XVIII trouxe o hospital, exércitos e escolas como espaços de poder exercido sobre o indivíduo que é examinado e o exame passa torna-se vigilância e classificação permitindo catalogar os indivíduos.

Em seguida do nascimento do hospital em si, o paciente passa então a ser mais investido e as questões econômicas entram em jogo. FOUCAULT (1992) traz também a relação médica num contexto de poder capitalista e vê a história da medicina se modificando a partir das mudanças de relação de mercado. O capitalismo socializara então uma medicina que até o século XIX era privada. O corpo fora socializado a partir de um contexto de controle social sobre os indivíduos enquanto força de produção, de trabalho. No Brasil, no século XIX, acontecia a criação das primeiras Casas de Saúde e a reforma da Santa Casa de Misericórdia.

Vemos no Brasil de 1902, período de Rodrigues Alves como presidente do Brasil, a indicação política para que Osvaldo Cruz cuidasse da saúde pública, pois a febre amarela, a peste e a varíola matavam mais do que a violência nos dias de hoje e a cidade do Rio de Janeiro tinha fama de uma cidade adoecida. Osvaldo Cruz então fez campanhas contra tais doenças gerando insatisfação geral e, inclusive, precisando da intervenção do exército. Aqui a medicina se insere num contexto histórico de opressão, pois as campanhas eram obrigatórias e cobradas financeiramente da população.

O homem contemporâneo é solicitado a pensar sobre seu tempo. Progresso tecnológico e ética devem ser integralizados. A ética diz de um profissional que preze sua postura e atitudes para que a sua prática não seja desastrosa.

Como princípios médicos fundamentais temos a não discriminação em relação ao paciente, a reciclagem constante em benefício do paciente, o respeito à vida. O médico deve respeitar a si enquanto profissional, aos seus colegas e aos pacientes. Em nome da ética deve o médico agir, respeitando critérios, visando o bem comum. É sua postura ética que vai estabelecer a relação com seu paciente norteando sua prática.

Quanto aos modelos de relações médico-paciente, temos o Modelo Sacerdotal baseado na tradição hipocrática e que assume uma postura paternalista com relação ao paciente. O médico nesse modelo assume um papel de poder e autoridade sobre o paciente que se coloca submisso. O Modelo Engenheiro traz o paciente responsável pela tomada de decisões, enquanto o médico é um prestador de serviços. O Modelo Colegial equipara os papéis na relação médico-paciente e o poder é compartilhado igualitariamente. O Modelo Contratualista considera a autoridade médica e sua responsabilidade pela tomada de decisão e técnicas, mas considerando o sujeito paciente ativo.

Existe na medicina contemporânea um fascínio pelos exames complementares. Ainda vemos médicos meio deuses fascinados pelos aparelhos que entram no organismo e investigam o oculto. Mas a alma escapa ao aparelho e quando não houver sintoma, o médico não estará convencido?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

... deixe aqui um comentário, por gentileza...

Powered By Blogger